A eleição que não queria acabar . 2014

2077 Jornal O Avaré 04/11/2014 06:59:05

 

* * *  Memórias de 2014 é um livro que será lançado no mercado no final deste ano.

 

A eleição que não queria acabar.

 

 

O artigo publicado é o último capítulo do livro citado.

 

 

Rudá Ricci, é cientista político formado em Ciências Sociais pela pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) na década de 80. Mestre em Representação Sindical no Brasil pela Unicamp e Doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. Diretor geral do Instituto Cultiva em Minas Gerais. 

 

 

 

 

 

DILMA REELEITA: continuará a conciliação de interesses?

O Brasil dividido

 

 

 

O país saiu profundamente dividido desta eleição. Numa porção, os três Estados da região sul e São Paulo cravaram voto em Aécio. Na outra porção, o nordeste cravou voto em Dilma Rousseff. A tabela abaixo indica a divisão do eleitorado entre os dois candidatos, por Estado:

ESTADO

DILMA (%)

AÉCIO (%)

REGIÃO NORTE

Acre

36,3

63,6

Amazonas

65,0

35,0

Roraima

41,1

58,9

Rondônia

45,1

54,8

Pará

57,4

42,5

Amapá

61,4

38,5

Tocantins

59,4

40,5

REGIÃO NORDESTE

Maranhão

78,7

21,2

Piauí

78,3

21,7

Ceará

76,7

23,2

Rio Grande do Norte

69.9

30,0

Paraíba

64,2

35,7

Pernambuco

70,2

29,8

Alagoas

62,1

37,8

Sergipe

67,0

32,9

Bahia

70,1

29,8

REGIÃO CENTRO-OESTE

Mato Grosso

45,3

54,7

Mato Grosso do Sul

43,6

56,3

Goiás

42,8

57,1

REGIÃO SUDESTE

Minas Gerais

52,4

47,5

São Paulo

35,6

64,3

Espírito Santo

46,1

53,8

Rio de Janeiro

54,9

45,0

REGIÃO SUL

Paraná

39,0

60,9

Santa Catarina

35,4

64,5

Rio Grande do Sul

46,4

53,5

 

 

Temos nossa “questão meridional” (ou “questão setentrional”, como sugere André Singer). O Brasil se divide entre sua porção sul (incluindo parcialmente o território do agronegócio, na região centro-oeste) e sua porção norte.

 

O eleitor de 2014 seguiu seus interesses econômicos.

 

O mapa indica que 75% dos desembolsos do banco de fomento brasileiro foram carreados para as regiões sudeste e sul do país. A região nordeste foi contemplada com 11% dos desembolsos. Há, contudo, uma situação não revelada por este mapa que é as mudanças na partilha dos recursos por região.

 

Em 2009, no final da gestão Lula, o Nordeste contou com 16% de participação no total desembolsado pelo BNDES entre janeiro e novembro de 2009. Os recursos liberados para aquela região somaram R$ 19,1 bilhões, com aumento de 185%. Para a Região Norte, os financiamentos foram de R$ 9 bilhões, uma expansão de 122%. Entre 2003 e 2010, os desembolsos do BNDES para Norte e Nordeste cresceram 657%, tendo o PSI e o Cartão BNDES como instrumentos mais importantes.

 

No caso do Bolsa Família, a sobreposição com o mapa do voto de 2014 é mais evidente. 

 

 

A ética do trabalho e o Estado Providência

 

 

O país se dividiu entre a ética do trabalho e o Estado Providência.

 

 

De um lado, os que creem no padrão de ascensão social definido pelo esforço pessoal, sintetizado na expressão inglesa do "self-made man". Crença liberal que dialoga com a noção de competências e esforços individuais que garantem a empregabilidade, formando um circuito mental e ideológico disseminado ao longo da década de 1990. Numa sociedade marcada pela cultura estamental como é a brasileira, o Estado justo seria o que protege, mas que não intervém na ordem natural do engajamento individual, numa projeção a-histórica e abstrata do reino da meritocracia. Em outras palavras, nesta crença e discurso evaporam a exploração e dominação que marcam a história brasileira e que subtraíram das populações tradicionais e/ou historicamente marginalizadas das benesses dos centros de poder sua condição básica de autogoverno e autodeterminação. Segmentos populacionais descendentes de escravos, populações indígenas, populações de regiões de fronteira ou distantes dos grandes centros comerciais, territórios historicamente definidas como de exploração de matérias primas processadas em terras distantes, segmentos sociais marginalizados pelos centros de poder, enfim, a história começa nesta crença ultraliberal individualista como iniciada hoje, como se o passado fosse uma tábula rasa.

 

De outro lado, surgem os que se acostumaram à situação de párea e somente na última década perceberam que o mundo da política continua sendo das elites, mas pode gerar condições de inserção no mundo do consumo médio. A inclusão pelo consumo alterou a percepção do papel da política e do voto para amplas camadas sociais subalternas econômica e politicamente. Este é o desenho que o livro “Vozes do Bolsa Família”, de Walquíria Leão Rego e Alessandro Pinzani (Editora Vozes, 2014) revela sobre as mulheres beneficiárias do principal programa de transferência de renda do programa lulista.

 

Duas visões de mundo opostas no que tange ao posicionamento sobre o papel do Estado.

 

Desta divergência brotou uma militância renovada que explodiu nas redes sociais e, no segundo turno, saiu às ruas em várias localidades.

 

Uma militância renovada – mas, já conhecida – do PT e apoiadores (na esquerda se denominava de “área de influência”), aguerrida e muito intolerante à adversidades.

 

Mas, de outro lado, surgiu uma militância nova, que se postou ao redor da candidatura tucana. Apareceram nas redes sociais e nas ruas – em menor número que a petista, mas, mesmo assim, tão irritadiça e barulhenta quanto – formada, em sua maioria, por jovens de classe média.

 

Depois de junho de 2013, enfim, parte da juventude brasileira se engajou politicamente. Os mais envolvidos com os protestos de junho, continuaram procurando uma terceira via. Nas redes sociais, parte festejou e até se alinhou com a chegada de Marina Silva. Parte se aproximou da candidatura Luciana Genro. Mas uma parte não tão organizada ou posicionada na jornada junina se encaminhou para se opor à continuidade dos governos petistas, fincou pé na crítica à corrupção e aparelhamento do Estado pelo PT e, no confronto que se sucedeu no final do primeiro turno e todo segundo turno das eleições presidenciais se posicionou contra o que muitos denominaram de “bolivarianismo” petista. Há registros desta  nova militância nas redes sociais como a caminhada das mulheres em prol do candidato do PSDB em Recife no dia 22 de outubro (uma semana antes do pleito) e atos programados na mesma cidade como o evento "Vem para a Rua", marcado para as 18h no Marco Zero, que no Facebook contou com 10 mil confirmações de presença. Não foi somente em Recife. A mobilização social pró-Aécio nessa semana registrou 235 mil convidados e 14 mil confirmações. Os atos programados previram concentrações em São Paulo, no Largo da Batata; Brasília, na Esplanada dos Ministérios; Rio de Janeiro, na praia de Copacabana; Recife, no Marco Zero; Belo Horizonte, na Praça da Estação; Teresina, na Av. Dom Severino com Homero Castelo Branco; Fortaleza, no Espigão Beira-Mar e Ribeirão Preto, na Praça Fiúsa.

 

A conciliação de interesses lulista a partir da nova divisão

 

Num clima beligerante como o que se observou no final desta campanha, a conciliação de interesses, marca da plataforma lulista, passou a ter um campo menor de realização. Não se trata mais de uma oposição institucionalizada, de fácil identificação no parlamento. No final da eleição de 2014, a oposição ganhava rostos na sociedade: entre setores empresariais, do agronegócio, entre amplo segmento da classe média, em especial, os novos militantes jovens de classe média.

 

A conciliação de interesses enfrenta, ainda, o conflito eleitoral com parte significativa de um de seus mais importantes aliados dos últimos anos: o PMDB, em especial, sua porção nordestina e sulina. Lembremos que a força parlamentar do PMDB está no nordeste e norte do país, onde despontam nomes como os de Renan Calheiros (PMDB-AL), Eunício Oliveira (PMDB-CE), Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), Sarney e Edson Lobão (PMDB-MA), Eduardo Braga (PMDB-AM), Valdir Raupp (PMDB-RO) e Romero Jucá (RR).

 

Finalmente, ainda no campo partidário, mas não menos importante, uma terceira via começa a se formar, ainda que timidamente. Inicialmente capitaneada pela candidatura de Marina Silva em 2010 e 2014, se insinua entre candidaturas consideradas menos expressivas eleitoralmente, mas que disputam o interesse da juventude nas redes sociais (este ano, as candidaturas de Eduardo Jorge e Luciana Genro se encaixam neste perfil). O PSOL avança sobre o eleitorado petista no Rio de Janeiro.

 

Enfim, o mapa de polarização PT-PSDB não está mais estável.  E a plataforma lulista se ressente desta multiplicidade de atores políticos e da radicalização dos confrontos programáticos e – ainda que não muito nítido para os próprios novos atores – ideológico.

 

Este capítulo termina com o PSDB solicitando recontagem dos votos do segundo turno ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

 

E com Lula, afirmando que será o candidato do PT à Presidência da República em 2018. 

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